A juventude é uma fase em que nos colocamos à disposição de todos os tipos de idéias, conceitos e pensamentos que nos influenciarão e, muito provalmente, formarão nosso caráter.
Há cerca de dois anos, vagando por uma das únicas livrarias da cidade, me deparei com um livro chamado "Os Vagabundos Iluminados", de um autor que eu nunca havia ouvido falar. O nome dele estava impresso em letras maiores que a do próprio título. Era um tal de Jack Kerouac, americano, de origem franco-canadense, nascido em 1922, em Lowell, Massachusetts. O que realmente me atraiu foi quando folheei as páginas, li alguns trechos e percebi a intensidade da narrativa de Kerouac, algo quase impossível de se ler em voz alta, sufocante, despreocupado com pontos e vírgulas, interessado apenas em passar ao leitor todo o fluxo de idéias que havia na cabeça e nos diários do autor.
Até aquele momento, eu lia qualquer livro que todo mundo lia, que estivesse entre os mais vendidos ou na lista dos obrigatórios para os vestibulares. Leitura não era problema, no entanto, eu ainda não havia definido gostos particulares. Pois então, no dia em que terminei de ler "Os Vagabundos Iluminados", descobri muito mais do que um novo autor ou gênero da literatura. Descobri a efervescência do jazz, que dá ritmo às palavras datilografadas por Kerouac, descobri o gosto pela escrita, pelos diários, descobri ser mais preconceituoso do que imaginava, descobri que acreditava nas histórias e nas idéias de homens simples, que buscavam conhecer a vida através de experiências pessoais e não de estudos científicos ou teorias ridículas.
Descobri, em um livro de Kerouac, chamado On The Road, que mais tarde tornou-se um clássico, o valor das amizades, e mais importante, o valor da cumplicidade e da empatia entre os seres humanos, algo que nos dias atuais, acredito, nos faz uma falta tremenda.
Kerouac fez parte de uma geração denominada beat, que na década de cinquenta iniciou um movimento de contracultura, que desestimava o capitalismo e o american way of life. Poetas e prosadores como Allen Ginsberg, William Burroughs, Gergory Corso, ou simplesmente personagens-heróis da literatura beat, como Neal Cassady e claro, Jack Kerouac, percorriam as infinitas milhas do continente americano com um diário no bolso, a humildade nos olhos e o amor à palavra escrita.
A minha geração não conhece literatura beat, não conhece Charlie Parker, não conhece Bob Dylan e nem sequer tem a coragem de pedir carona na estrada. Pois eu me sinto privilegiado por aquele momento epifânico na livraria. E então, quando eu miro os olhos no horizonte e em todas aquelas vastas planícies que se estendem atrás de morros e colinas, e lembro de todas aquelas pessoas incríveis que já conheci e ainda hei conhecer, eu também penso em Jack Kerouac. Eu agradeço a Jack Kerouac.
* Dia 21 de outubro faz 40 anos da morte de Jack Kerouac.