
A nova estreia do cinema nacional me fez sentir algo novo dentro de uma sala: vergonha alheia. Pela primeira vez senti vergonha de uma produção, ora pela atuação do cantor Daniel como protagonista da história sertaneja, hora pelo filme em si, seus erros históricos e os momentos em que chamam o espectador de bobo.
O Menino da Porteira é a segunda tentativa de aproveitar uma das histórias mais lindas da nossa música – o título homônimo de Tonico e Tinoco. Na primeira versão, de 1977, o protagonista Foi o também cantor Sérgio Reis, mas à época a produção não emplacou, caindo no esquecimento popular. Dessa vez a estratégia é outra, na tentativa de pegar carona em dois sucessos recentes: 2 Filhos de Francisco, que conta a história da dupla Zezé Di Camargo & Luciano, e Se Eu Fosse Você 2, que desde dezembro fez o público observar melhor as estréias do cinema brasileiro.
Em comparação com seus colegas de estilo, os filmes são absolutamente incomparáveis. 2 Filhos de Francisco é um filme lindo, maduro e que não se restringe apenas aos fãs, diferentemente do atual.
O Menino da Porteira não é um filme sobre a vida no campo, nem uma homenagem aos autores da canção, mas exclusivamente “um filme do Daniel”, ficando muito claro que esse era um projeto de vida seu – incluindo a participação de seu pai. Bom para seus admiradores, que o verão na tela durante os 95 minutos, e para as fãs alucinadas que terão a oportunidade de delirarem em uma cena dele sem camisa.
A história se passa nos anos 50, época em que foi composta a música – porém a data nada tem a ver com o enredo – no “sudeste do Brasil”. O peão Diogo (Daniel, que já trabalhou no cinema em Xuxa Requebra e Didi, O Cupido Trapalhão) e seus colegas transportam uma boiada até a fazenda Ouro Fino, numa região completamente conflituosa por conta da exploração de seu dono, o Major Batista (José de Abreu, que em breve estreia em JK – Bela Noite Para Voar), exigindo que todos os menores produtores vendam seus gados exclusivamente para ele.
A chegada do boiadeiro coincide com um momento de levante desse grupo, que planeja vender diretamente seu rebanho aos matadouros, lucrando pelo menos o triplo, e sofrendo represálias por isso.
Paralelamente a isso, Diogo cria um laço quase paterno com o garoto Rodrigo (João Pedro Carvalho, o melhor do filme), que “figura já de longe avistada que corria abrir a porteira”, sempre lhe pedindo “toque o berrante, seu moço”. Além dele, há também o romance com Juliana, filha do Major, interpretada pela inexpressiva Vanessa Giácomo.
E como em todo filme brasileiro, a publicidade é uma característica muito forte e nada discreta, mas nesse filme, ela chega ao limite do ridículo. A porteira de Ouro Fino traz escrito Casas Pernambucanas, uma das empresas anunciadas como patrocinadora no início do filme. Alguém conhece alguma casa que tenha escrito na sua entrada “Casas Bahia”, “Banco Itaú” ou qualquer outra marca? Então por que o Major Batista escreveria em sua fazenda?
Mas calma, tem coisa pior. Em seu momento de descontração, os boiadeiros de Daniel sentam em uma mesa de bar para relaxar ao lado de uma boa cervejinha... Conti, patrocinadora do cantor em seus show e em seu time – o Daniel Futebol Clube. Problema algum, não fosse uma história de 1957, época em que a marca nem era sonho.
Isso sem contar a trilha sonora, toda cantada pelo protagonista, mas que não acompanha o tempo das filmagens. Por exemplo, na mesma cena da cerveja, Daniel canta, acompanhado pelo violão, a música Disparada, cujos versos dizem “Prepare o seu coração pras coisas que eu vou contar. Eu venho lá do sertão e posso não lhe agradar. // Da boiada já fui boi, mas um dia me montei...”. Totalmente entrosada com o cenário, não fosse essa música de Geraldo Vandré o sucesso do festival da TV Record de 1966 num protesto contra a ditadura militar. Ou o peão Diogo foi plagiado, ou o diretor Jeremias Moreira pisou na bola novamente.
O Menino da Porteira foi lançado ontem com a promessa de ser o novo sucesso de público nacional, e de fato tem tudo para alcançar por uma estratégia inteligente: atrair um público desacostumado com cinema. Divertindo-se a cada arapuca para pegar passarinho, ou com as brincadeiras do casal caipira – ao melhor estilo novela das 6 – uma plateia de mais idade saiu ontem do cinema na estreia em Jundiaí aprovando demais o filme, algo que deve ser seguido em todas as cidades do interior do estado. Esse público criado naquele mundo certamente irá se emocionar ao lembrar suas histórias.
Para não dizer que tudo é ruim, o roteiro tenta discutir o eterno coronelismo e o quanto um homem mais poderoso utiliza-se de todos os meios para impor sua vontade, incluindo a força física. A história mostra também um caminho para os oprimidos: a união. Mas você precisa fazer um bom esforço para chegar a essa conclusão.
Heitor Mário Freddo
O Menino da Porteira é a segunda tentativa de aproveitar uma das histórias mais lindas da nossa música – o título homônimo de Tonico e Tinoco. Na primeira versão, de 1977, o protagonista Foi o também cantor Sérgio Reis, mas à época a produção não emplacou, caindo no esquecimento popular. Dessa vez a estratégia é outra, na tentativa de pegar carona em dois sucessos recentes: 2 Filhos de Francisco, que conta a história da dupla Zezé Di Camargo & Luciano, e Se Eu Fosse Você 2, que desde dezembro fez o público observar melhor as estréias do cinema brasileiro.
Em comparação com seus colegas de estilo, os filmes são absolutamente incomparáveis. 2 Filhos de Francisco é um filme lindo, maduro e que não se restringe apenas aos fãs, diferentemente do atual.
O Menino da Porteira não é um filme sobre a vida no campo, nem uma homenagem aos autores da canção, mas exclusivamente “um filme do Daniel”, ficando muito claro que esse era um projeto de vida seu – incluindo a participação de seu pai. Bom para seus admiradores, que o verão na tela durante os 95 minutos, e para as fãs alucinadas que terão a oportunidade de delirarem em uma cena dele sem camisa.
A história se passa nos anos 50, época em que foi composta a música – porém a data nada tem a ver com o enredo – no “sudeste do Brasil”. O peão Diogo (Daniel, que já trabalhou no cinema em Xuxa Requebra e Didi, O Cupido Trapalhão) e seus colegas transportam uma boiada até a fazenda Ouro Fino, numa região completamente conflituosa por conta da exploração de seu dono, o Major Batista (José de Abreu, que em breve estreia em JK – Bela Noite Para Voar), exigindo que todos os menores produtores vendam seus gados exclusivamente para ele.
A chegada do boiadeiro coincide com um momento de levante desse grupo, que planeja vender diretamente seu rebanho aos matadouros, lucrando pelo menos o triplo, e sofrendo represálias por isso.
Paralelamente a isso, Diogo cria um laço quase paterno com o garoto Rodrigo (João Pedro Carvalho, o melhor do filme), que “figura já de longe avistada que corria abrir a porteira”, sempre lhe pedindo “toque o berrante, seu moço”. Além dele, há também o romance com Juliana, filha do Major, interpretada pela inexpressiva Vanessa Giácomo.
E como em todo filme brasileiro, a publicidade é uma característica muito forte e nada discreta, mas nesse filme, ela chega ao limite do ridículo. A porteira de Ouro Fino traz escrito Casas Pernambucanas, uma das empresas anunciadas como patrocinadora no início do filme. Alguém conhece alguma casa que tenha escrito na sua entrada “Casas Bahia”, “Banco Itaú” ou qualquer outra marca? Então por que o Major Batista escreveria em sua fazenda?
Mas calma, tem coisa pior. Em seu momento de descontração, os boiadeiros de Daniel sentam em uma mesa de bar para relaxar ao lado de uma boa cervejinha... Conti, patrocinadora do cantor em seus show e em seu time – o Daniel Futebol Clube. Problema algum, não fosse uma história de 1957, época em que a marca nem era sonho.
Isso sem contar a trilha sonora, toda cantada pelo protagonista, mas que não acompanha o tempo das filmagens. Por exemplo, na mesma cena da cerveja, Daniel canta, acompanhado pelo violão, a música Disparada, cujos versos dizem “Prepare o seu coração pras coisas que eu vou contar. Eu venho lá do sertão e posso não lhe agradar. // Da boiada já fui boi, mas um dia me montei...”. Totalmente entrosada com o cenário, não fosse essa música de Geraldo Vandré o sucesso do festival da TV Record de 1966 num protesto contra a ditadura militar. Ou o peão Diogo foi plagiado, ou o diretor Jeremias Moreira pisou na bola novamente.
O Menino da Porteira foi lançado ontem com a promessa de ser o novo sucesso de público nacional, e de fato tem tudo para alcançar por uma estratégia inteligente: atrair um público desacostumado com cinema. Divertindo-se a cada arapuca para pegar passarinho, ou com as brincadeiras do casal caipira – ao melhor estilo novela das 6 – uma plateia de mais idade saiu ontem do cinema na estreia em Jundiaí aprovando demais o filme, algo que deve ser seguido em todas as cidades do interior do estado. Esse público criado naquele mundo certamente irá se emocionar ao lembrar suas histórias.
Para não dizer que tudo é ruim, o roteiro tenta discutir o eterno coronelismo e o quanto um homem mais poderoso utiliza-se de todos os meios para impor sua vontade, incluindo a força física. A história mostra também um caminho para os oprimidos: a união. Mas você precisa fazer um bom esforço para chegar a essa conclusão.
Heitor Mário Freddo
Nenhum comentário:
Postar um comentário