domingo, 22 de fevereiro de 2009

Bumbum Paticumbum Prugurundum


Começam hoje os desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro, um dos maiores, mais lindos e apaixonantes eventos de todo o mundo. Para quem já se contorceu todo com essa afirmação, peço que se dispa um pouco do pensamento comum em relação ao carnaval – um exibicionismo barato de nudez e samba – e entenda o que realmente é uma passagem de agremiações.
Embora a maior parte dos foliões, ao ouvirem um samba enredo, saiam pulando alucinadamente, ou sambando como “galinha no asfalto quente”, esse componente que conduz o espetáculo é uma verdadeira poesia, funcionando ora como uma aula de história e cultura, ora como uma homenagem. Em alguns casos – nem sempre feliz, é bom que ressalte-se –, uma tentativa de protestos sociais.Mas engana-se quem pensa que o samba enredo é apenas uma batucada.
Vamos usar como exemplo os clássicos das escolas cariocas mais importantes. Em 1993, o Salgueiro apresentou seu ”Explode Coração na maior felicidade”, cantado até hoje nos salões. Mas o que pouca gente percebe é que o enredo conta uma história de um retirante nordestino que, através do “Velho Ita”, um navio tradicional, se deslumbra com a cidade grande, acreditando na melhoria de vida e admirado com as diferenças sociais.
A Mangueira, entre seus inúmeros clássicos, guarda na sua galeria de títulos “O Reino das Palavras”, em que canta a obra de Carlos Drummond de Andrade. Confesso que aprendi muito mais ouvindo essa canção do que em aulas de literatura do colegial. Não foi diferente com “Chico Buarque da Mangueira”, de 1998, em que toda a obra do genial artista foi exibida, ala a ala.
A Mocidade Independente já deu um show falando apenas das águas; a Beija-Flor, na década de 80, mostrou negros que fizeram história na sua “Constelação das Estrelas Negras”. Isso sem contar nas homenagens que todas já fizeram a estados ou regiões do país, com oo passeio que a Império Serrano deu pelo Brasil com sua “Aquarela Brasileira. Até São Paulo, grande rival carioca, já foi destaque pela Estácio de Sá, na sua “Paulicéia Desvairada”.
Atualmente, concordo, as escolas vivem um período de menor criatividade, mas não podemos diminuir a festa aos preconceitos citados no início. As escolas, de fato, utilizam-se de fantasias exageradamente curtas e “celebridades momentâneas” para comporem os “destaques” das alegorias, além de pegar alguém sem o menor envolvimento com a comunidade para ir à frente da bateria, o coração da harmonia. Mas isso é apenas um componente, cuja razão de viver é puramente estratégica.
Para realizar o carnaval, as agremiações precisam de dinheiro, em parte financiado pela iniciativa pública, em parte pela privada. O dinheiro público é o responsável pela manutenção dos trabalhadores nos chamados barracões, ou seja, a festa gera empregos para o ano todo. Já o dinheiro de patrocínio paga as fantasias e alegorias, sendo fundamental que a escola chame atenção do público comum para atrair esse investimento. A prova disso é que, em geral, essas figuras utilizam roupas que nada têm a ver com o enredo, sempre cheia de penas e maquiagem.
Muito maior do que isso há o verdadeiro desfile, com o desafio de se contar uma história por cerca de 8 carros alegóricos e 40 alas, sempre relacionando-as com o samba enredo e procurando explorar as cores e tradições de cada escola, regidos por uma bateria muito bem sincronizada. Carnavalescos, compositores e intérpretes, portanto, precisam de uma vasta bagagem cultural e intelectual, levando esse conhecimento para uma comunidade com poucas condições de estudo, além de mostrar um pouco da nossa história ao mundo.
Se isso não for arte não imagino o que seja.
Abaixo, a relação das Escolas que desfilarão hoje e amanhã no Grupo Especial do Rio de Janeiro e seus respectivos Sambas. Os temas falam por si só.

Mocidade independente de Padre Miguel
Clube Literário - Machado de Assis e Guimarães Rosa... Estrela em poesia!

Império Serrano
A Lenda das Sereias e o Mistério do Mar

Grande Rio
Voilá, Caxias! Para sempre Liberté, Égalité, Fraternité, merci beaucoup, Brésil! Não tem de quê!

Vila Isabel
Neste palco da folia, é minha Vila que anuncia: ‘Theatro Municipal - A centenária maravilha’

Salgueiro
Tambor

Beija-Flor
No chuveiro da alegria, quem banha o corpo lava a alma na folia

Unidos da Tijuca
Tijuca 2009: uma odisséia sobre o espaço

Porto da Pedra
Não me proíbam criar, pois preciso curiar! Sou o país do futuro e tenho muito a inventar!

Imperatriz Leopoldinense
Imperatriz… só quer mostrar que faz samba também!

Portela
E por falar em amor, onde anda você

Mangueira
A Mangueira traz os Brasis do Brasil, mostrando a formação do povo brasileiro

Viradouro
Vira-Bahia, pura energia!

Quem tiver a oportunidade, assista ao menos um desfile completo, não para se divertir com as belas mulatas, ou ficar admirado com as fantasias, mas para entender o casamento do samba com as alegorias e adereços. Você entendera porque o carnaval é tão importante e rico culturalmente.

Heitor Mário Freddo

2 comentários:

Rafael Porcari disse...

Realmente o Carnaval faz valer a máxima de "maior espetáculo da Terra". Mas muito me preocupa a questão do dinheiro público às escolas de samba. Em SP, haverá uma anistia de 27 milhões de reais às escolas paulistanas, por parte da prefeitura. Se auto-sustentáveis, melhor!
Agora, não dá para não se distrair com as mulatas... e loiras... e outras moças, digamos, boas de samba no pé!

Pedro B. M. Serrano disse...

legal, Heitor.

lembrei-me de uma matéria que vi algum tempo atrás no Correio. Falava de um cara tradicional dos carnavais (não sei se de Campinas, se compunha sambas-enredos ou o quê...) que falava do bom conteúdo dos samba-enredos. Na verdade, criticava os atuais, que perdiam bastante em relação aos mais antigos. Dizia ele que, certa vez na escola, acertara questões da prova de história lembrando-se de um samba-enredo que falava da história de Pernambuco.

confesso que não suporto assistir a sequer um desfile completo de uma escola de samba. mas as respeito bastante, sua arte sobretudo.