quinta-feira, 26 de março de 2009

Gran Torino

Depois de um período de filmes mais “sérios”, que debatem temas importantes e por isso concorrem/ganham premiações importantes, Clint Eastwood teve uma recaída e quis voltar a fazer o velho e bruto herói americano, estrelado e dirigido por ele mesmo. Mas ao contrário do que imaginava, o filme é muito bom e vai muito além da volta do cafageste.
Quando escrevi, em 24 de janeiro, o texto sobre o filme A Troca, analisei Gran Torino da seguinte maneira:
“Ao que parece, Clint Eastwood sente saudades dos velhos tempos e lançará em breve Gran Torino, filme em que ele interpreta um veterano da Guerra da Coréia (?) e sozinho encara uma gangue de rua que tentava roubar seu carro, tornando-se a partir daí o herói do bairro. Precisava mesmo um filme assim nesse momento?”
Não, não precisava, mas já que ele optou, pelo menos o filme ficou muito atraente.
Walt Kowalski (Clint Eastwood) é um inflexível e nada simpático veterano de Guerra, que carrega um patriotismo quase fascista, detestando qualquer tipo de estrangeiro em seu país. Quando aposentado e viúvo, tem como passatempos beber, consertar coisas e, principalmente, maldizer os imigrantes, sobretudo os com os quais tem de dividir vizinhança: os asiáticos hmong, vindos do Laos, que chegaram à América após a Guerra do Vietnã – uma vez aliados dos capitalistas, eram perseguidos pelos soviéticos e receberam abrigo. Rapidamente “tomaram conta” do bairro de Kowalski, sendo o brucutu o único resistente.
A convivência entre eles começa após o garoto Thao, obrigado pela gangue que se diz “defensora de seu povo” obrigá-lo a fazer um roubo em sua iniciação: o Gran Torino, o carro que era xodó do velho rabugento, relíquia da Ford – empresa em que trabalhou e montou o carro – e tirado da linha de produção por ele próprio. Óbvio que o garoto só sobrevive por pura sorte.
Num segundo momento, os “bandidinhos” tentavam se vingar do garoto e de sua família, e receberam uma ameaça com um rifle apontado em sua cara com a simples frase: “saiam do meu jardim”.
Apesar disso, a comunidade do bairro criou por ele uma admiração. Extremamente preconceituoso, ele relutou a amistosidade no início, mas o tédio e principalmente a carência – seus filhos o desprezam e ele tem sentimento recíproco –, Kowalski vê naquele povo os princípios que sempre defendeu – respeito aos mais velhos, tradições seguidas e união familiar – e percebe que receberá “desses chinas detestáveis” aquilo que sempre tentou receber em sua família.
Não por menos, ele perdoa e adota o garoto Thao – mantendo sua personalidade e o chamando de Torto, Sushi, Rolinho Primavera, mas adota – e recebe dele o carinho que nunca nenhum neto sequer ameaçou dar.
O filme, então, viaja nesses dois caminhos: a discussão psicológica sobre a estrutura familiar americana, os sentimentos de um ex combatente, a xenofobia e as guerras urbanas de gangues que se odeiam entre si, e a velha ação do caubói urbano, que nem precisa matar ninguém para fazer a plateia arrepiar a cada vez que ele decide ser bravo.
Destaque também para a relação conturbada entre ele e o jovem Padre Janovich (Christopher Carley, o Franco-atirador de Leões e Cordeiros), definido por Kowalski como “um virgem que acabou de sair do seminário que nunca teve experiências na vida e acha que pode dar lições de moral”.
Gran Torino é um filme para você se entregar, se divertir com as frases ácidas e os apelidos do personagem e evitar comparações com Sobre Meninos e Lobos, Menina de Ouro e A Troca. Dessa forma, o filme é ótimo.

PS – O filme se encerra com a música Gran Torino. Se você tiver em dúvida, sim, é o próprio Clint Eastwood quem está cantando. Ele adora fazer tudo em seus filmes, mas nessa ele se superou.

Heitor Mário Freddo

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