quarta-feira, 18 de março de 2009

Sobre uma outra crise


Há alguns anos temos visto bandas e mais bandas surgirem nos palcos brasileiros, sempre impulsionadas por um bom empresário ou por alguns canais e programas de televisão. Não importa se elas tocam músicas compostas pelos integrantes da própria banda, nem se há algum sentido nas letras. Tudo que se tem a fazer para ser um sucesso das paradas é cantar uma letra fácil, que não saia da cabeça de quem a escuta, e um ritmo não tão complexo, daqueles que qualquer aluno iniciante de violão consegue tocar.
A quem realmente aprecia a música não só como uma ótima maneira de passar o tempo ou se divertir, mas também como uma arte a ser discutida e criticada, os tempos em que vivemos não são os melhores para a música nacional. Preza-se muito mais o cachê do que o próprio gosto pela arte. Traçando um paralelo com o mundo do futebol, seria algo do tipo "falta amor à camisa".
Ano passado comemoramos o cinquentenário de um dos maiores movimentos musicais do Brasil, e também do mundo, a Bossa Nova. Um estilo que cativou o país na década de 50, apadrinhado pela extrema complexidade harmônica e melódica de João Gilberto e pela exímia composição de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Tudo isso, antes de um duro golpe na política e na liberdade dos brasileiros. Durante a ditadura, porém, ainda houve espaço para o surgimento do tropicalismo de Caetano e Gil e das canções de protesto de Geraldo Vandré, nomes devidamente eternizados na história da MPB.
Agora se pergunte: o que temos hoje tocando nas rádios e que daqui a cinquenta anos terá homenagens e exposições? Não temos nada. Apenas músicas enlatadas norte-americanas, as depressivas músicas emo, o funk das letras depreciativas ou o sertanejo melódico e escrachado. Pelo menos nas rádios FMs da região, é quase impossível se encontrar música bem feita, ou a verdadeira música popular brasileira, que dê gosto aos ouvidos. Num cénario cada vez mais comercial e ansioso pela fama, a música bem trabalhada deu espaço a apenas acordos e obrigações entre artistas e gravadoras, claro, visando lucros. Enquanto isso, aqueles que procuram definir um gosto musical têm de sair à caça. Graças à internet e aos compartilhamentos de dados entre os usuários, é possível reviver clássicos do repertório nacional e internacional, descobrir uma banda do gênero folk da Irlanda ou até mostrar ao mundo seus dotes musicais.
Recentemente, uma das maiores comunidades do Orkut voltada para o compartilhamento de músicas foi fechada sob alegação de pirataria. Deixando de lado a discussão quanto à pirataria, a comunidade abrigava um acervo de dar inveja, que agradava a todos os gostos. Com o fim de sua existência, a caçada ficará mais difícil, mas aqueles que não escutam qualquer coisa farão de tudo por manter saudáveis seus ouvidos e, de preferência, longe das rádios comerciais.

João Eduardo Colosalle

4 comentários:

Anônimo disse...

Análise perfeita, simplesmente rendonda. Assino embaixo e faço minhas suas palavras.

Parabéns.

Abraços

Francisco Valle disse...

mando bem jão

Pedro B. M. Serrano disse...

Muito bom, João. Muito bom mesmo, concordo com tudo.

Hoje temos que caçar gente "honesta" para com a música brasileira. E o triste é que o gênero musical (pois virou já é só gênero) da MPB, apesar de ter seu P denotando "popular", não é mais, de fato, popular. Ou seja, os poucos músicos que possam existir atualmente nos moldes de arte de pessoas como Chico, Caetano, Tom, perdem espaço em meio ao mercado que se faz onipresente com infinitas músicas vazias e fúteis.

A única exceção que faço, e já há um bom tempo escrevi brevemente sobre isso em meu blog, é quanto ao Seu Jorge. É do gênero MPB, é bom, honesto (pelo menos pelo meu julgamento), e faz sucesso com as pessoas, ou seja, é de fato popular (apesar de haver também algumas poucas músicas que parecem ser feitas para tocar incessantemente nas rádios). De resto, da geração atual, não me lembro de ninhuém =/

abraço

Carina Reis disse...

Muito muito muito bom.
Um dos textos que mais gostei de ler nos ultimos tempos.
A análise é excelente e muito verdadeira, a música atual deixa, e muito, a desejar.
Nem tenho o que dizer, acho que você realmente falou tudo.

Beijos,
Cá Reis